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2005/01/13

Manhã de chuva...

Amanheceu, entre nuvens a prometer chuva e uma neblina persistente, que coava a luz do sol nascente por uma cortina ténue de tule cinza... num dia assim, apetece mesmo ficar no choco, qual pinto recém-nascido entre as asas da mãe... apetece enroscar-se num cobertor quentinho, a ver passar as nuvens lá fora, submersos na modorra dos sonhos...
Há alturas em que este ambiente poderia convidar à invasão da tristezas, desses pensamentos obscuros que no tocam naquela corda mais sensível do íntimo e puxam para a superfície uma certa dor, mágoa ou solidão, uma de cada vez ou todas em simultâneo... por vezes é este o efeito numa alma...
Mas hoje, estranhamente, recordei aqueles dias simples de verão, quando mais criança, despreocupados e ternos, no campo... acudiram-me à memória as leiras, pequeninas, separadas por muros de vinhas, semeadas de batatas, de milho, de trigo, de cevada, de erva tenra orvalhada, a luzir ao sol, pronta a cortar e ajuntar em molhos...
Brincadeiras, correrias, gritos de prazer, cachos de uvas róseas, amoras negras a colorir os dedos e as bocas, maçãs silvestres colhidas directamente da árvore, suculentas e ácidas, devoradas com prazer e apetite...
E no final, depois do trabalho feito e do cansaço começar a despontar, o ponto alto do dia... o regresso à casa, montados quais reis e senhores no monte da erva, lá bem no alto, exercício de equilíbrio e deleite para a vista, que tudo abarcava em ânsia de tudo ver, o passo lento da junta de bois, em esforço bruto, o chiar agudo das rodas de madeira, seculares e firmes...
Uma ligeira crise de nostalgia que tanto prazer me deu, fiquei com saudades desses dias simples e despreocupados, em que se podia andar descalço na erva, rebolar e dormir, sentindo a força da terra em nosso redor, o canto breve dos pássaros, as cigarras sempre em festa, grilos e gafanhotos, o marulhar do rio, beleza no seu estado mais puro, que só agora faz sentido, só agora é realmente apreciada, porque perdida, porque longínqua... a paz...
E estava ainda imersa em toda esta imagem, toda esta saudade e recordação quando me palpitou na memória uma outra referência, uma abordagem poética a todo este verde que hoje me encheu a alma de memórias calorosas, lembrei-me dos verdes campos de Camões, uma daquelas poucas poesias que quase todos sabem de cor, quanto mais não seja pela interpretação que dela tantos fizeram... aqui a deixo, com um sorriso, para quem quiser ler...

Verdes são os campos / Luís de Camões

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

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