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2005/05/05


O Miúdo...

Hora de almoço, estavas a terminar o café no balcão quando eles entraram... uma mulher apressada, com ar e voz de quem está habituada a comandar e a ser obedecida, que arrastava pela mão um rapazinho, miudinho e franzino, não mais de seis ou sete anos, quase uma trouxa de roupa com pernas e uma mochila quase tão grande como ele...
Ela dirigiu-se ao balcão, exigindo urgência no atendimento do pedido e suscitando olhares de esguelha em quem estava à espera e em quem atendia do outro lado do balcão, soltou a mão franzina do miúdo, que ficou ali, momentaneamente esquecido no meio do café repleto de gentes...
Dedicaste-te a observá-lo, prolongando o café... estava especado a olhar para a máquina dos brindes, cheia de globos brilhantes contendo pequenos brinquedos... um quase sorriso bailava no rosto triste de menino pequeno, alheado de tudo, do movimento, das pessoas, da voz irritante da mãe... olhos abertos e claros que descobriam dentro daquela caixa mil e um tesouros desejados...
Aproximou-se lentamente da máquina, quase a medo, até encostar as mãos no acrílico que o separava das bolas transparentes, até o bafo da sua respiração desenhar uma marca redonda de condensação... ficou a olhar por mais uns momentos, até começar a remexer nos bolsos, em busca da moeda desejada, que não encontrou... e uma sombra depositou-se sobre o seu rosto pequeno... ficou a olhar a abertura por onde saíam os brindes e, quase instintivamente, rodou o manípulo que comandava a máquina... uma vez, duas vezes... algo mexeu dentro da cuba dos brinquedos, um ruído surdo de rebolar e na abertura apareceu uma bola... brilhante, transparente, com uma figurinha lá dentro... os olhos abertos do garoto brilhavam de espanto, sorriam, interrogavam-se que maravilha seria esta que lhe oferecia um presente... agarrou o globo e estava a olhá-lo, extasiado, quando ela o gritou: "Pedro! O que é isso??? Larga imediatamente!!!"
A bola rolou pelo chão, quando a soltou, assustado, despertado brutalmente de um sonho delicioso, pelo tom estridente e duro da mulher que o repreendia sem ele compreender porquê... uma sombra escureceu-lhe os olhos e deixou cair os braços ao longo do corpo, como numa renúncia, enquanto ela continuava o seu discurso moralista, sem sequer o deixar explicar o pequeno "milagre" que tinha acontecido...
Quando ela o agarrou por um braço e o começou a abanar, achaste que era demais, sentiste que tinhas de reagir de alguma forma... ninguém devia esmagar daquela forma uma criança... respiraste fundo para te controlares e disseste alto, com toda a calma que conseguiste reunir: "Fui eu que lhe dei a bola, minha senhora!" As tuas palavras soaram como um tiro no meio do silêncio incómodo que se tinha instalado perante a situação, que todos olhavam comprometidos... A mulher olhou-te surpreendida, porque uma outra voz se tinha sobreposto à sua e ficou ali, de repente silenciosa, ainda a agarrar o miúdo pelo pulso franzino... Foi como se a tua intervenção tivesse suspendido aquela cena no tempo e no espaço por breves segundos... repetiste, ainda mais convicto: "Sim, minha senhora, fui eu que lhe dei a bola!" e antes que ela tivesse tempo de reagir, apanhaste a bola transparente do chão e estendeste-a ao garoto, olhos abertos de espanto... Sorriste-lhe e com uma piscadela de olho, convidaste-o a entrar na cumplicidade daquele momento...
Ele soltou-se da garra da mãe e agarrou o brinde com as duas mãos... olhou-o por instantes e depois ergueu os olhos para ti, brilhantes de felicidade, a emoldurar um sorriso enorme, um "obrigado" mudo, repleto de significado... passaste-lhe a mão pela cabeça, num afago e saíste porta fora, sem dar mais explicações, sem esperar perguntas, deixando as pessoas a comentar a acção e a mulher sem saber como reagir...
Foram apenas uns breves minutos, que pareceram uma eternidade, mas que valeram a pena para o resto do dia, pela cara de tola com que a mulher ficou, mas acima de tudo pelo sorriso do miúdo, por aqueles olhos claros e sonhadores, de quem vê um desejo inesperadamente cumprido... "Caramba... como valeu a pena!!!" - murmuraste, e foi com um sorriso que regressaste ao escritório.

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